Publicado originalmente no Focas Estadão.
Acesso à internet e espaços colaborativos mudam relações das pessoas com suas criações.
Muitas das invenções que Leonardo da Vinci pensou, como tanques de guerra blindados e paraquedas, só saíram do papel séculos depois, pelas mãos de outros criadores. Se estivesse vivendo hoje, o italiano provavelmente não teria dificuldade em assinar as novas ideias. Nem ele nem qualquer pessoa que queira fazer os próprios objetos, seja por uma nova opção de consumo ou pelo prazer de ver projetos se tornarem reais.
Incentivados, sobretudo, pela expansão da internet e seu poder de compartilhar informações, os agora makers não estão mais isolados, mas reunidos e em movimento. O movimento maker já está dentro de salas de aulas, multinacionais, garagens de casas e laboratórios equipados com máquinas de fabricação digital, tornando a lógica do “faça você mesmo” um fenômeno tecnológico e coletivo.
Para ser maker, só é preciso compartilhar experiências com quem também quer pôr a mão na massa. Um aquecedor de água feito no Brasil pode ser facilmente reproduzido e recriado pelos japoneses, por exemplo.
“É exatamente o que aconteceu com a computação, a comunicação e a web. Agora, está chegando às coisas físicas”, defende o autor britânico Chris Anderson, que se tornou um dos principais defensores do movimento com o livro Makers: a Nova Revolução Industrial.
Se com apenas uma impressora 3D caseira conectada ao computador os fazedores podem desenhar e imprimir os brinquedos dos filhos, reunidos em espaços coletivos eles estão criando soluções para problemas maiores.
Na África, jovens quenianos criaram incubadoras para hospitais de Nairóbi; nos Estados Unidos – onde a própria Casa Branca recebeu uma feira de makers em 2014 – a aposta é trazer o trabalho manufaturado de volta para a maior economia do mundo.
Nesse contexto, o movimento reúne adeptos não só na internet, mas também em espaços físicos equipados com máquinas de fabricação digital, chamados makerspaces.
São lugares que têm o papel de associar a tecnologia ao conhecimento, diz o professor da USP e especialista no assunto, Paulo Eduardo Fonseca. “O movimento desconstrói aquilo dito pelo pensamento moderno de que o fazer é menos importante. Mas há uma grande euforia. Não devemos ficar na superficialidade de fazer apitinho, canequinha.”
Fonseca foi o responsável por trazer ao Brasil, em 2011, o primeiro makerspace da Fundação Fab, ligada ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos. Já são mais de 550 Fab Labs ao redor do mundo, 22 deles em cidades brasileiras como Porto Alegre, Brasília e Recife.
São Paulo, entretanto, é a primeira a adotar o movimento maker como política pública por meio da rede Fab Lab Livre SP. Os quatro primeiros laboratórios municipais já estão abertos em fase de testes no Centro, Cidade Tiradentes, Penha e Itaquera. A prefeitura pretende inaugurar outras oito unidades em março de 2016, com investimento total de R$ 8,3 milhões em dois anos.
Na Europa, onde a rede de makers se espalha em países como Inglaterra e Itália, um dos mais antigos Fab Labs é o de Barcelona, na Espanha, aberto em 2007.
O diretor do espaço, Tomas Diez, afirma que o movimento não substitui a indústria porque nem tudo pode ser fabricado em casa. O que muda, diz o venezuelano, são as relações de trabalho.
“Ele cria empregos, porque as pessoas podem ser mais independentes e começar a fazer objetos com maior valor agregado.Esse é o início de um modelo em que as pessoas decidem sem depender dos que controlam os meios de produção.”
Na opinião da arquiteta Heloisa Neves, uma das referências do movimento no Brasil, ele também muda a relação da sociedade com a tecnologia e o consumo.
O foco, porém, não deve ser nas máquinas, mas nas pessoas. “A tecnologia somente facilita a criação. A cultura maker vira ao avesso o que aprendemos na escola. Você é o agente que causa.”
Texto de: Gabriel Hirabahasi, Luciana Amaral, Luiza Pollo Mazurek, Priscila Mengue, Vitor Tavares e Yuri Alexsander.
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